Fazia
tanto frio! A neve não parava de cair no leste europeu, e a gélida noite
aproximava-se. Aquela era a última noite de dezembro, véspera do dia de Ano
Novo. Perdida no meio do frio intenso e da escuridão uma pobre menina seguia
pela rua afora, a cabeça descoberta e os
pés descalços. É certo que ao sair de casa trazia um par de chinelos, mas estes
não duraram muito tempo, porque eram uns chinelos que já tinham pertencido à
mãe, e ficavam-lhe tão grandes, pesados e encharcados de neve que a menina os
perdeu quando teve de atravessar a rua, correndo, para fugir de um bonde. Um
dos chinelos desapareceu no meio da neve, e o outro foi apanhado por um garoto
que o levou, pensando fazer dele um berço para a irmã mais nova brincar.
Por isso, a menina seguia com os pés descalços
e já roxos de frio; levava no bolso dianteiro do avental uma quantidade de
fósforos, e estendia um maço deles a todos que passavam, oferecendo: — Quer
comprar fósforos bons e baratos? — Mas o dia lhe tinha sido adverso. Ninguém
comprara os fósforos, e, portanto, ela ainda não conseguira ganhar um tostão
sequer. Sentia fome e frio, e estava com a cara pálida e as faces encovadas.
Pobre criança! Os flocos de neve caíam-lhe sobre os cabelos compridos e loiros,
que se encaracolavam graciosamente em volta do pescoço magrinho; mas ela nem
pensava nos seus cabelos encaracolados. Através das janelas, as luzes vivas e o
cheiro delicioso da carne assada chegavam à rua, porque era véspera de Ano
Novo. Nisso, sim, é que ela pensava, o que lhe enchia de água a boca.
Sentou-se no chão e encolheu-se no
canto de uma varanda. Sentia cada vez mais frio, mas não tinha coragem de
voltar para casa, porque não vendera um único maço de fósforos, e não podia
apresentar nem uma moeda; e o padrasto, malvado, seria capaz de lhe bater. E
afinal, em casa também não havia calor. A família morava numa meia-água, um
barraco, e o vento metia-se pelos buracos das telhas, apesar de terem tapado
com farrapos e palha as fendas maiores. Tinha as mãos quase paralisadas com o
frio. Ah, como o calorzinho de um fósforo aceso lhe faria bem! Se tirasse um, um só palito, do maço, e o
acendesse na parede para aquecer os dedos...! Pegou num fósforo e: Fcht!, a
chama espirrou e o fósforo começou a queimar ! Parecia a chama quente e viva de
uma vela, quando a menina a tapou com a mão.
Mas, que luz era aquela? A menina
imaginou que estava sentada em frente de uma lareira cheia de ferros
rendilhados, com um guarda-fogo de cobre reluzente. O lume ardia com uma chama
tão intensa, e dava um calor tão bom...!
Mas, o que se passava? A menina estendia já os pés para se aquecer,
quando a chama se apagou e a lareira desapareceu. E viu que estava sentada
sobre a neve, com a ponta do fósforo queimado na mão.
Riscou outro fósforo, que se acendeu e
brilhou, e o lugar em que a luz batia na parede tornou-se transparente como
vidro. E a menina viu o interior de uma sala de jantar onde a mesa estava
coberta por uma toalha branca, resplandescente de louças delicadas, e mesmo no
meio da mesa havia um ganso assado, com recheio de ameixas e puré de batatas,
que fumegava, espalhando um cheiro apetitoso. Mas, que surpresa e que alegria!
De repente, o ganso saltou da travessa e rolou para o chão, com o garfo e a
faca espetados nas costas, até junto da menina. O fósforo apagou-se, e a pobre
menina só viu na sua frente a parede negra e fria.
Acendeu um terceiro fósforo. Imediatamente se
viu ajoelhada debaixo de uma enorme árvore de Natal. Era ainda maior e mais
rica do que outra que tinha visto no último Natal, através da porta
envidraçada, em casa de um rico comerciante. Milhares de velinhas ardiam nos
ramos verdes, e figuras de todas as cores, como as que enfeitam as vitrines das
lojas, pareciam sorrir para ela. A menina levantou ambas as mãos para a árvore,
mas o fósforo apagou-se, e todas as velas de Natal começaram a subir, a subir,
e ela percebeu então que eram apenas as estrelas a brilhar no céu. Uma estrela
maior do que as outras desceu em direção à terra, deixando atrás de si um
comprido rastro de luz.
«Foi alguém que morreu», pensou para consigo a
menina; porque a avó, a única pessoa que tinha sido boa para ela, mas que já
não era viva, dizia-lhe à vezes: «Quando vires uma estrela cadente, um
meteorito, é uma alma que vai a caminho do céu.»
Esfregou ainda mais outro fósforo na parede:
fez-se uma grande luz, e no meio apareceu a avó, de pé, com uma expressão muito
suave, cheia de felicidade!
—
Avó! — gritou a menina — leva-me contigo! Quando este fósforo se apagar, eu sei
que já não estarás aqui. Vais desaparecer como a lareira, como o ganso assado,
e como a árvore de Natal, tão linda. Riscou imediatamente o punhado de fósforos
que restava daquele maço, porque queria que a avó continuasse junto dela, e os
fósforos espalharam em redor uma luz tão brilhante como se fosse dia. Nunca a
avó lhe parecera tão alta nem tão bonita. Tomou a neta nos braços e, soltando
os pés da terra, no meio daquele resplendor, voaram ambas tão alto, tão alto,
que já não podiam sentir frio, nem fome, nem desgostos, porque tinham chegado
ao reino de Deus.
Mas ali, naquele canto, junto do portal,
quando rompeu a manhã gelada, estava caída uma menina, com as faces roxas, um
sorriso nos lábios… morta de frio, na última noite do ano. O dia de Ano Novo
nasceu, indiferente ao pequenino cadáver, que ainda tinha no regaço um punhado
de fósforos. — Coitadinha, parece que tentou aquecer-se! — exclamou alguém. Mas
nunca ninguém soube quantas coisas lindas a menina viu à luz dos fósforos, nem
o brilho com que entrou, na companhia da avó, no Ano Novo.
Enquanto
houver 1% de chance terei 99% de FÉ.